Ele é Tenente Valente, Pernambucano de Goiana!
Publicação dedicada a Associação dos Oficiais da Reserva R/2 do Exército – Regional Recife – Celeiro de Valorosos Tenentes
O que faz um homem joga-se à guerra? Apenas o amor pátrio é necessário para um soldado dedicar-lhe sua vida nos campos de batalha? Diria que sim? Mas não só isso! Quando se está no campo de batalha, e depois de muito andar com seu Pelotão, com sua Companhia e com seu Batalhão, o verdadeiro destemor do soldado se mostra para defender o seu companheiro! Na FEB há vários casos de soldados de todos os postos e graduações que se colocaram na linha do inimigo para buscar um companheiro perdido em uma patrulha, caído em campo minado ou até mesmo morto. Segue abaixo outra crônica do Coronel Uzêda:
O Tenente Regueira é um pernambucano de Goiana; destemido e valente, bravo como ele só! Baixo, moreno, barba cerrada, bigode aparado, sobrancelhas densas, cabelo e olhos pretos, nariz afilado, uma “barroca” no queixo, gentil e maneiroso, ninguém o dizia o soldado corajoso que era.
Ferido num dos bombardeios de artilharia em Braineta, estava baixado ao hospital. Por isso nosso Batalhão não contou com seu precioso auxílio no ataque ao Monte Castello, no dia 21 de fevereiro.
Entretanto, num dos primeiros dias de março, o bravo tenente apresenta-se ao Posto de Comando do Batalhão, em Querciola, pronto para retornar à linha de frente.
A chegada do Regueira foi motivo de grande alegria para o nosso Batalhão, já pela simpatia que irradiava o jovem tenente, já pela admiração que tínhamos pelos seus feitos, pela sua experiência e pelo seu destemor, como também porque sua presença era, realmente, um reforço para o Batalhão.
E lá se vai o Regueira para a linha de frente. Desta vez mandamo-lo para a 3ª Companhia.
Prosseguimos mandando patrulhas às linhas inimigas, quer para sondar-lhes as intenções, quer para destruir-lhes as posições, afastando-os de nossas linhas.
Essas patrulhas obedeciam a uma escala, e, de quando em vez, lá ia o Regueira. As patrulhas sob o seu comando, como as dos tenentes Trota, Valdir, Aquino, Osvaldo, eram sempre cheias de alterações. Aguerridos, valentes e decididos, esses bravos tenentes infiltravam-se insidiosamente nas linhas inimigas, levando-lhes a destruição, provocando-lhes pânico, trazendo prisioneiros. Mas, também, de quando em vez, passávamos por susto para recuperá-los!
Certo dia, lá foi o tenente Regueira fazer um reconhecimento em Marne. Esse era um lugarejo com três casas apenas; mas, todo o grupo de casa na Itália tem um nome e os naturais chamam-nos de “paese”.
Merne, era, pois, um “piccolo paese” que defrontava nossas posições em Polla. O lugarejo ficava num espigão que corria quase paralelamente à nossa linha, e que vinha se entroncar no Monte Belvedere.
Para atingirem o espigão nossas patrulhas tinham que atravessar uma ravina que os italianos chamavam de “fosso”.
Parte o Regueira com elementos do seu aguerrido Pelotão.
Transpõe nosso campos minados em Polla; dispersa seus homens, dá-lhes missões. O “fosso” é enfiado por posições inimigas em C. Vigoni e Fantetti; ele o atravessa num só lanço e se aproxima cautelosamente de Marne.
Quando a patrulha se acerca de Marna recebe tiros de Fiocchi, C. Ghiri e Bottara. Nossa Artilharia e nossos morteiros anulam as resistências inimigas. Os esclarecedores do Regueira atingem o casario de Marne. Diversas organizações, mas tudo vazio. Dispondo de poucos recursos o alemão usa de malícia. Varia de posição; hoje está aqui, amanhã acolá. O “escravo” italiano cavava-lhes os abrigos.
Missão cumprida. Quando menos, a patrulha facultara-nos alvo para os bombardeios.
Regueira faz o sinal para o regresso: a patrulha retrocede. Quando os primeiros elementos chegam em Polla ouve-se a metralhar do inimigo: era uma “lurdinha”. Donde atirara?
Regueira apressa o regresso de sua patrulha, mas observa que lhe falta um homem. Quem seria? Ele conhecia todos, lembra-se dos que já se recolheram. Onde se acha o seu ordenança, aquele seu amigo que não o larga nunca? E o tenente recorda-se das rajadas inimigas! Seu ordenança ficara ferido. Iria busca-lo !
À sua contextura moral não cabia outra solução. Ele não era apenas o bravo e afoito patrulheiro. O destemido tenente cumpria seu dever com convicção plena. Um só homem do seu Pelotão não ficava em mãos inimigas: tanto mais o seu ordenança!
E Regueira retrocede ansioso em busca do seu soldado. Divisa-o à margem do fosso. Convicto do seu deve, encantado com a sua nobre missão, preocupado com o destino do seu amigo, esquece-se do inimigo que lhe acompanha perfidamente os movimentos.
Regueira alcança seu soldado ferido, e tenta arrastá-lo. Eis quando se repete a rajada de metralhadora inimiga.
Nossos observatórios localizam-na em Fantetti. Nossos tiros de morteiros partem céleres, precisos.
A arma do inimigo silencia, mas o heroico tenente fica ao lado do seu soldado.
Alguns homens do seu Pelotão voltam para busca-los. Era o exemplo do Chefe!
Chegaram os feridos ao nosso posto de saúde. Os doutores Barcelos e Câmara prestam-lhes os socorros de seu zê-lo, de sua competência, do seu carinho.
Estamos presente na sala de curativos. Regueira está na padiola; as vestes rasgadas e muito sangue nas coxas. Acariciamos-lhe a cabeça, exaltando-lhe o feito. Barcelos corta-lhe as calças na altura do dos ferimentos. As coxas inchadas mostravam um rasgo em cada uma; o da direita era bem maior. Nosso dedicado médico olha-nos significativamente; inicia o curativo; estiva as pernas do nosso herói amarrando-as na extremidade da padiola. O dr. Câmara aplica-lhe uma injeção de plasma.
Continuamos acariciando a cabeça do Regueira, mas nossos lábios não se descolam mais.
Crianças do meu Brasil! Quando virem um jovem Oficial como muito propositadamente lhes descrevi, andando com as penas um pouco rijas, apoiado num bengala, parem e o saúdem reverentemente: É um Herói que passa! É o pernambucano de Goiana Tenente Regueira.
Fonte: Crônicas de Guerra – Coronel Olívio Gondim de Uzêda