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O Schalke 04 e o Nazismo – A Alemanha e o futebol de Hitler
Em 22 de junho de 1941. Esta é uma das mais importantes datas da história moderna. Ainda raiva o sol, quando, bem no início da manhã, a Alemanha nazista cruzou as fronteiras com a União Soviética, lançando guerra contra o território vermelho.
Com a desculpa de responder a violações de fronteira, mas com a notória intenção de destruir o bolchevismo e a União Soviética, Hitler mobilizou uma colossal máquina de guerra para o front russo.
Mais de três milhões de soldados nazistas cruzaram a fronteira ocidental, percorrendo mais de três mil quilômetros, desde o mar báltico ao Mar Negro, dando início à chamada Operação Barbarossa – batizada assim por Hitler em homenagem ao monarca Frederico I, o barba-ruiva, um grande imperador alemão da Idade Média.
A campanha iniciada naquele dia se revelaria a mais longa, mais cara e mais feroz operação militar de todos os tempos, mas, naquele fim de semana, surpreendentemente, não era o tema mais comentado entre os alemães nas todas de conversa em Berlim.
A Segunda Guerra Mundial havia estourado há quase dois anos e já não era mais novidade para ninguém. Sobre aquele violento pano de fundo, a vida cotidiana corria e a guerra deixara de ser o assunto principal. Para os alemães, então, pelo menos no princípio, a invasão da União Soviética era somente mais um passo de um drama sem data para acabar.
Fôlego novo para o futebol
Naquele domingo de junho, no ano de 1941, Berlim acordou com a notícia de que as tropas nazistas haviam invadido o território de Stálin, mas aqueles dias não seria, para o alemão, o episódio mais importante do dia. Estava programada para acontecer naquela tarde, no Estádio Olímpico da cidade, a final de um importante torneio de futebol.
Lá, os campeões do Schalke 04, clube favorito dos adeptos do regime nazista, iriam enfrentar o Rapid Viena time que defendia a Áustria, país recentemente anexado à Alemanha. A partida prometia, e a rivalidade de política existente entre os dois lados só acentuavam o interesse da população alemã. O clima de decisão enchia de ansiedade os torcedores germânicos que carregavam a certeza: os jogadores do Schalke 04 certamente não iriam decepcionar.
Com ascensão do nazismo, o futebol alemão viveu um período de renascimento. A estrutura do jogo foi profundamente modernizada, o que aumentou o interesse das torcidas e escancarou o talento dos jogadores, que, de olho no crescimento do esporte , empenharam-se como nunca. O regime de Hitler foi mestre em explorar o potencial do futebol, o “teatro do povo”, como divulgador da imagem do movimento nazista. As estrelas dos times alemães passaram a se tornar verdadeiros garotos-propaganda da ideia de supremacia ariana.
A renascença do futebol alemão ocorreu quase que simultaneamente ao período do florescimento de um dos mais famosos clubes de futebol do país, o Schalke 04. Saído do humilde subúrbio industrial de Gelsenkirchen (na região de Ruhr)m o Schalke 04 amargou a derrota do campeonato de 1933 para, no ano seguinte, voltar a triunfar sobre o então favorito time do FC Nuremberg (região da Baviera). E este era apenas o começo de uma notável sequência de vitórias. O time chegou à final em sete dos oito campeonatos seguintes e conquistou o título em cinco deles.
Em 1941, na final do campeonato, o time do Schalke 04 enfrentaria u duro adversário, o Rapid Viena, que vinha de uma excelente temporada. A seleção nacional austríaca de futebol tornara-se uma das mais fortes do mundo nos anos de 1930. Depois de 1938, quando o país foi anexado à Alemanha e os times austríacos rapidamente impuseram sua presença na disputa pela Liga alemã de futebol, a rivalidade, então, cresceu.
Naquele ano o Rapid Viena venceu a copa alemã. No ano seguinte, em 1939, outro time austríaco chegaria à final: o Admira Viena, que ficou apenas com o vice-campeonato. Em 1940, novamente o time do Rapid estaria nas finais, mas não levou o título. A presença dos austríacos do Rapid Viena na final do campeonato de 1941 simbolizava, portanto, mais um indício do evidente crescimento do time.
A partida naquela tarde de domingo era um confronto imperdível para austríacos e alemães. Não fosse apenas a rivalidade no futebol, havia também uma acentuada rivalidade regional. Ignorando a origem austríaca do Führer, a cultura alemã de, tradicionalmente, fazer uma divisão norte-sul vigorava à todo vapor – protestantes contra católicos e “prussianos” contra austríacos.
Os habitantes do norte da Alemanha insistiam em colocar os austríacos em um patamar inferior. Já os nascidos na Áustria, por sua vez, viam os alemães do norte como incultos e arrogantes.
Em 1939, um episódio viria, então, exaltar ainda mais os ânimos. Matthias Sindelar, um das principais estrelas do futebol austríaco, morreu misteriosamente depois de recusar-se a defender a camisa alemã. Suspeita-se que Matthias tenha sido assassinado pelos nazistas.
Embates físicos tornaram-se comuns nas disputas entre os times austríacos e alemães. Em 1940, inúmeros jogos foram marcados por brigas. E a violência não ficava restrita às arquibancadas. Em uma partida entre um time da Luftwaffe de Hamburgo e um time de Viena houve uma série de incidentes violentos e o goleiro austríaco, após alguns confrontos brutais, deixou a partida seriamente ferido. Mais tarde, o jogador morreria no hospital.
O espírito competitivo cada vez mais contaminava as opiniões dos torcedores. O sentimento antinazista carregado pelos austríacos direcionava-se ao time predileto pelo regime de Hitler: o Schalke 04.
Cada vez mais próximo da administração nazista, os jogadores do Schalke passaram a receber honrarias do governo, como posições de destaque nas tropas nazistas AS. Os atletas que brilhavam mais, como Ernst Kuzorra e Fritz Szepan, eram, inclusive, utilizados como porta-voz da propaganda nazista. Até mesmo Hitler torcia pelo time. O Schalke passou, então, a representar o movimento nazista e, assim, os embates entre eles e qualquer time de Viena tornaram-se palco de muita violência. O jogador Kuzorra, por exemplo, foi nocauteado em um jogo, e, no encontro entre o time do Admira Viena e o Schalke, em novembro de 1940, uma limusine nazista e um ônibus do time alemão acabaram depredados. Por todas essas razões, àquela altura, o jogo de 22 de junho de 1941 interessava mais aos alemães do que a invasão nazista a União Soviética.
Texto Roger Moorhouse
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